segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Caso de canário de Carlos Drommond

CASO DE CANÁRIO
         Casara-se havia duas semanas. Por isso, em casa dos sogros, a família resolveu que ele é que daria cabo do canário:
          – Você compreende. Nenhum de nós teria coragem de sacrificar o pobrezinho, que nos deu tanta alegria. Todos somos muito ligados a ele, seria uma barbaridade. Você é diferente, ainda não teve tempo de afeiçoar-se ao bichinho. Vai ver que nem reparou nele, durante o noivado.
          – Mas eu também tenho coração, ora essa.Como é que vou matar um pássaro só porque o conheço há menos tempo do que vocês?
         – Porque não tem cura, o médico já disse. Pensa que não tentamos tudo? É para ele não sofrer mais e não aumentar o nosso sofrimento. Seja bom, vá.
         O sogro, a sogra apelaram no mesmo tom. Os olhos claros de sua mulher pediram-lhe com doçura:
– Vai, meu bem.
         Com repugnância pela obra de misericórdia que ia praticar, ele aproximou-se da gaiola. O canário nem sequer abriu o olho. Jazia a um canto, arrepiado, morto-vivo. É, esse está mesmo na última lona e dói ver a lenta agonia de um ser tão precioso, que viveu para cantar.
         – Primeiro me tragam um vidro de éter e algodão. Assim ele não sentirá o horror da coisa.
          Embebeu de éter a bolinha de algodão, tirou o canário para fora com infinita delicadeza, aconchegou-o na palma da mão esquerda e, olhando para outro lado, aplicou-lhe a bolinha no bico. Sempre sem olhar para a vitima, deu-lhe uma torcida rápida e leve, com dois dedos no pescoço.
          E saiu para a rua, pequenino por dentro, angustiado, achando a condição humana uma droga. As pessoas da casa não quiseram aproximar-se do cadáver. Coube à cozinheira recolher a gaiola, para que sua vista não despertasse saudade e remorso em ninguém. Não havendo jardim para sepultar o corpo, depositou-o na lata de lixo.
          Chegou a hora de jantar, mas quem é que tinha fome naquela casa enlutada? O sacrificador, esse, ficara rodando por aí, e seu desejo seria não voltar para casa nem para dentro de si mesmo.
         No dia seguinte, pela manhã, a cozinheira foi ajeitar a lata de lixo para o caminhão, e recebeu uma bicada voraz no dedo.
– Ui!
Não é que o canário tinha ressuscitado, perdão, reluzia vivinho da silva, com uma fome danada?
– Ele estava precisando mesmo era de éter – concluiu o estrangulador, que se sentiu ressuscitar, por sua vez.
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I. Assinale a alternativa correta para cada item.
1. A expressão: “… daria cabo do canário…” significa:
a.(   ) dar o canário a alguém     b.(   ) soltar o canário da gaiola
c.(   ) matar o canário               c.(   ) prender o canário na gaiola
2. Na frase: “Você ainda não teve tempo de afeiçoar-se ao bichinho”, a palavra em destaque pode ser substituída por:
a.(   ) apegar-se                                  b.(   ) enfurecer-se
c.(   ) desencantar-se                        d.(   ) preocupar-se
3. Na frase: “Com repugnância pela obra de misericórdia que ia praticar…”, a palavra em destaque pode ser substituída por:
a.(   ) escrúpulo       b.(   ) tédio      c.(   ) ansiedade     d.(   ) raiva
4. Na frase: “O canário …. jazia a um canto…” , a palavra em destaque pode ser substituída por:
a.(   ) cantava                                 b.(   ) arrepiava-se
c.(   ) estava deitado                      d.(   ) saltitava
5. Na frase: “Tirou o canário com infinita delicadeza…”, a palavra em destaque pode ser substituída por:
a.(   ) arrogante      b.(   ) enorme     c.(   ) desajeitado    d.(  ) espontânea
6. Nas frases abaixo, aparecem em destaque,  expressões da fala coloquial. Relacione as duas colunas, de acordo com o significado dessas expressões:
1. “…esse está mesmo na última lona…”
2. “…achando a condição humana uma droga…”
3. “O canário reluzia vivinho da silva…”
4. “ O canário estava com uma fome danada.” 
a. (   ) uma coisa muito ruim
b. (   ) muito grande, fora do comum
c. (   ) no fim
d. (   ) vivo, sem nenhuma dúvida
II – Responda com base no texto.
7. Por que os sogros e a esposa escolheram o rapaz para sacrificar o canário?
8. O que o genro quis dizer com a frase: “Mas eu também tenho coração.”?
9. Por que a família decidiu matar o canário de estimação?
10. Por que o jovem marido considerou o sacrifício do canário como uma obra de misericórdia?
11. Como procedeu ele para matar o canário?
12. Transcreva do texto a frase que mostra o estado de espírito do personagem depois que executou o passarinho.
13. As expressões sepultar  e enlutada  referem-se normalmente à morte de pessoas. Por que o narrador as empregou referindo-se ao canário?
14. Como você entende a expressão “voltar para dentro de si mesmo”?
15. Na crônica, não aparece o nome do personagem escolhido para matar o canário. Retire do texto as palavras empregadas para se referir a ele.
16. Como se explica o fato de o canário estar vivo?
17. Por que o personagem, no final, também se sentiu ressuscitado?
18. Na crônica, o canário aparece em duas situações diferentes. Primeiro, ele está muito mal, semimorto. Depois, ele aparece curado, bem vivo. Transcreva as frases que mostrem o canário nessas duas situações.
1a. ___________________________________________________________
2a. ___________________________________________________________
Confira aqui, suas respostas.
GABARITO
1. c      2. A      3. A      4. C      5. B     
6.  a.(2)   b.(4)     c.(1)     d.(3)
7. Porque ele, sendo novo na família, ainda não tivera tempo de se apegar ao canário.
8. Ele quis dizer que também era sensível e que tinha pena do bichinho.
9. Porque o médico afirmara que ele estava muito doente, não tinha cura.
10. Porque seria um ato de caridade abreviar o sofrimento do canário.
11. Deu-lhe éter para cheirar e depois torceu-lhe de leve o pescoço.
12. “E saiu para a rua, pequenino por dentro, angustiado, achando a condição humana uma droga”. 
13. O canário era como uma pessoa da família. Todos lhe queriam bem, como a uma criatura humana.
14. A expressão significa parar para pensar, para meditar.
15. As palavras usadas para se referir ao personagem são sacrificador e estrangulador.
16. Na verdade, o canário não tinha morrido. A torcida rápida e leve no pescoço não foi suficiente para matá-lo.
17. O personagem estava desolado com a morte do canário. Ao saber que ele estava vivo, sentiu grande alivio e felicidade.
18. 1a. – Jazia a um canto, arrepiado, morto-vivo. 
      2a. – Não é que o canário tinha ressuscitado, perdão, reluzia vivinho da silva com uma fome danada?
             

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